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sexta-feira, dezembro 03, 2004

 

O povo sem futuro

O Professor João César das Neves titulou a sua coluna no DN da 2ª feira 29 de Novembro de 2004 de “O povo sem futuro”. No essencial repete a tese que expôs com o brilhantismo que o caracteriza no Congresso da Democracia Portuguesa organizado pela Associação 25 de Abril no início deste Novembro.

Correndo o risco de trair o espírito do colunista (risco para o qual peço a clemência de todos porque, garanto, não é intencional), eu permito-me resumir, com a devida vénia, o seu pensamento:
• A Europa está a caminho da irrelevância.
• Em primeiro lugar por declínio populacional. Hoje o espaço europeu representa 7,1% da população mundial. Em 2050 seremos apenas 4,8%.
• E isto incluindo aqueles que entretanto acolhemos e acolheremos entre nós. “Os europeus do futuro serão estranhos à tradição cultural europeia. Goste-se ou não, assim será”. (sic).
• Em segundo lugar porque a União está sem Norte – não sabe o que quer em termos ideológicos e não tem estratégia de afirmação.
• César das Neves termina dizendo que “a cultura europeia é a única que renegou as suas origens civilizacionais”. Preocupados com debates menores – aborto, tabaco, etc. – não somos capazes de evitar uma inevitável decadência a menos que mudemos drasticamente.
• Remata com uma citação de Wotjila: “Um povo que mata os seus filhos não tem futuro”.
Uma vez mais, peço desculpa ao Professor César das Neves se sintetizei erradamente o seu artigo, se o interpretei mal ou se o aborreço com as minhas criticas. Aqui é presunção minha, o Professor César das Neves nunca saberá que eu existo, que este blog existe (para além de mim alguém sabe) e que nele se escreveu sobre a sua coluna.

Em primeiro lugar é evidente que o declínio populacional da Europa é uma inevitabilidade. Temos poucos filhos e não estamos prontos a mudar de posição perante a vida. Ou seja os europeus tendem a ser cada vez menos. E os “de souche” ainda menos. E isso enquanto os outros grupos populacionais – norte- e sul-americanos, africanos, asiáticos, árabes e magrebinos – tendem a aumentar. Esta parte do pensamento do ilustre Professor é inquestionável.

Se bem que isto seja um conceito difícil para um economista, os números, se bem que indesmentíveis não são tudo. A França, a Alemanha e a Grã Bretanha devem ter para aí 1% ou 1,5% da população mundial de hoje, cada um. Mas são membros do G8 e dois deles são membros permanentes do Conselho de Segurança. Ou seja, nos últimos 50 anos a relativa pouca importância percentual de um País não implicou irrelevância no concerto das Nações. Não será necessariamente diferente para os próximos 50. Talvez em 100 ou 150 haja espaço para a previsão do Professor César das Neves. Mas compete-nos a nós lutar contra isso. E, no imediato, é ser ave de agoiro.

Em segundo lugar é também verdade que a percentagem de habitantes do espaço europeu que não são de origem europeia aumenta mais que os que já cá estão hoje. Os grupos de emigrantes têm uma natalidade maior que os cidadãos da EU. Mas isso não implica que eles sejam “estranhos à tradição cultural europeia”. É precisamente aqui que eu me afasto do Professor César das Neves.

O desafio que nós temos perante nós é garantir que os filhos de qualquer Ahmed, Igor ou de qualquer Pablo ou Kunta Kinte saibam quem foram Victor Schoelcher, Alexandre Dumas, Eça de Queiroz ou Goethe. Afinal o descendente do original Kunta Kinte era um homem cultíssimo que ganhou um Pulitzer e escreveu na Playboy. Isto sem evitar que eles saibam também quem foi Khayyam (pessoalmente eu prefiro os Rubayat ao Inferno, la Falacci que me perdoe), Kinte ou Avicena. A Cultura é uma grande casa onde cabem todos os Grandes.

Mas não é uma tarefa fácil. Ganhar a batalha da educação e da integração será uma tarefa árdua. Fazer com que os europeus do futuro, independentemente do sítio onde nasceram os seus Avós, não sejam estranhos à nossa Cultura, aos nossos Valores – Respeito pela Vida e pelos Direitos Humanos, o Humanismo, a Liberdade, a Igualdade, a Fraternidade, e todos os valores que são os da nossa Europa – e os nossos maiores – Eça, Vieira da Silva, Cervantes, Borges (mas há alguém mais europeu do que o genial argentino?), Camões, Petrarca, Dali, Shakespeare, etc.

Se continuarmos a relegar os filhos dos emigrantes para os seus ghettos é evidente que eles não se identificarão com a nossa cultura. Mas se fizermos um esforço integrador na Escola Publica, tal como nos ensinou Jules Ferry, temos ainda uma hipótese de contrariar o pessimismo de César das Neves.

É evidente que os europeus do futuro não vão ter a mesma cor de pele que o Senhor Professor. E, se forem a algum templo, provavelmente vão se repartir por Igreja e Sinagoga, Templo Protestante e Mesquita. Mas também isso é a Europa. A cor de pele ou a crença religiosa já não são tão importantes no que define a Europa hoje, menos ainda aquilo que é o seu fundamento de amanhã. Isto sem questionar que foram, sem alguma duvida, parte integrante e importante do esqueleto da Europa de ontem e mesmo de hoje.

A integração é possível. Independentemente de onde se vem. Desde que queiramos integrar, queiramos ser integrados e estejamos dispostos a aceitar as inevitáveis mudanças de parte a parte.

No resto, também difiro de César das Neves, mas creio que (e a citação papal reforça essa minha convicção) que a interpretação do colunista sobre o desnorte da Europa é fortemente ancrada nas suas crenças religiosas. Eu tenho por principio não discutir as convicções religiosas das pessoas e não vou abrir aqui uma excepção. Vou apenas dizer no que concordo, e é que a União precisa de, rapidamente, (re)definir e assumir quais são os seus valores e, depois, lutar por eles não só no terreno interno mas também a nível global. Provavelmente João César das Neves e eu não estaremos de acordo sobre todos os valores – seguramente a maioria porque vimos da mesma cultura Portugal do final do século XX – pelo que a clarificação interna dentro da Europa sobre aquilo por que ela se bate e que ela representa deve ser feita ASAP.

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