terça-feira, fevereiro 08, 2005
A arrogância da juventude
Hoje, como muitas outros dias, fui beber café na Versalhes. Deve ser esta a única semelhança que eu tenho com Zita Seabra.
Na fila para um lugar na sala cheia, uma jovem que não devia ter mais de 21 ou 22 anos e que estava à minha frente, disse à sua amiga em sotto voce “Metade desta gente já devia ter morrido”. É bem verdade que, se somarmos a idade dos convivas que preenchem algumas mesas, se não chegamos a Quéops, chegamos de certeza à Patuleia. Mas isso não é razão para, como se dizia nos anos da Repressão, alguém “dar uma injecção atrás da orelha dos velhinhos”. Só a arrogância própria de quem acha que tem a vida toda à sua frente, se pode permitir, mesmo a brincar, uma tão horrível frase.
Que contraste marcante com a reacção do Cardeal Secretário de Estado quando, anteontem disse, a propósito do estado de saúde do Papa, que a Igreja Católica respeita a sabedoria dos mais velhos.
Diz uma velha frase da minha juventude :
Se a juventude soubesse...Se a velhice pudesse.
Graças aos avanços da medicina e a uma cuidada gestão financeira cada vez mais a “velhice pode”.
Mas o avanço de uma insuportável cultura de plástico faz com que cada vez menos “a juventude saiba”. A juventude de hoje, como a de ontem, não sabe, não viveu, não experimentou, não passou por isso; porque não pode ter vivido, não pode ter experimentado, não poder ter passado por elas, porque simplesmente não teve tempo, não teve matematicamente tempo para que se lhe apresentem todas as oportunidades. Agora o que é pior é que também não escuta quem sabe, não lê, não ouve. Arrogantemente.
E lê menos, ouve menos, escuta menos que nós. Não porque nós fossemos melhores, também não éramos, mas porque tínhamos menos alternativas. A gente ouvia os velhos e lia os livros porque não havia outra coisa para fazer. Não havia uma televisão no quarto, era pois necessário ver TV na sala com os comentários dos Pais. Não se saia de casa até às 04h00 aos 16 anos (eu pelo menos não). Não havia uma multiplicidade de imprensa para jovens, canais de cabo para jovens, cultura de jovens. Se queríamos matar o tempo tínhamos Victor Hugo e Walt Disney como alternativas. E ao fim de 10 anos de Tio Patinhas, lá pelos 16 anos a gente estava farto e começava a ler o 1984 e Les Miz e o If porque já não havia pachorra para mais Clark Kent e Sue Storm.
E depois, quando as alternativas apareceram já tínhamos ganho o vicio da letra corrida e tínhamos começado a perceber o valor do “saber de experiência feito”.
Eu também fui jovem. Hélas. Também fui arrogantemente jovem. E lixei-me. Não digo isto com magoa, porque fez parte do meu processo de crescimento. Não digo isto com ira contra os jovens porque estão a repetir os mesmos erros que eu fiz. E como, ao contrario do que eles pensam e do que nós pensámos, não são melhores que as gerações que os procederam, é perfeitamente normal.
Digo isto apenas para explicar porque é que eles me são tão irritantes. Been there, done that.
Não consigo deixar de fazer um piscar de olhos à actual campanha. Reporta a TSF que, no Sábado ouve quem tentasse o slogan “Assim se vê a força do PP” num comício do CDS/PP. Ou é desconhecimento do “Assim se vê a força do PC” de há 30 anos ou, mais pateta, é revanchismo. É querer “roubar” a memoria do PREC. Seja lá o que for é a arrogância dos jovens que, neste momento, campeia à Direita, como há 30 anos, campeava à Esquerda. A minha geração no meio, é a lixada. ´tou sem pachorra para esta campanha.